Conto
UMA GAROTA SUPERSTICIOSA
Adna Ribeiro
Juliana Queiroz
Noemy Vitória
Suzy Maria
Não podia ser, era apenas o
que passava em minha mente. Eu sabia que aquilo tudo não ia acabar bem, e olhe
que já nem tinha começado. Meus olhos só focavam no espelho do meu pó da Mary Kay quebrado no chão, os caquinhos
espalhados pelo piso do banheiro. Maldito Judas! Ou melhor, maldita Katy, que
inventou aquela maldita festa numa sexta-feira treze. Aquilo era um sinal, um
dos muitos dado por Deus dizendo que não deveria ocorrer o aniversário (todos
descartados pela minha melhor amiga, logicamente).
Tudo começou quando cheguei na casa de Katy e
ela sorridente anunciou que sua festa de 18 anos seria temática, até ai tudo
bem, ela sempre gostou de dar as melhores comemorações (e cá entre nós, é muito
boa nisso). Porém, ao perguntar qual tema seria, meu coração saltou. Se você
pensou em baile, parabéns, errou. Era Halloween. Nove letras que fizeram meu
corpo se arrepiar. Mas isso nem tinha sido o pior, claro que não, o pior foi me
relatar que aquilo aconteceria no dia treze de uma sexta-feira. “Corra para as
colinas” minha consciência gritou, e é o que queria ter feito. Você já deve
estar pensando que sou uma pessoa supersticiosa. E sim eu sou, não foi por
opção. Tenho pavor de tudo relacionado há gatos pretos, chinelos virados,
escadas em calçadas e azar (presente sempre no meu encalço). E então imagine,
uma pessoa que possui medo de tudo isso recebendo a notícia da sua melhor amiga
que convive contigo desde do jardim de infância que irá fazer o aniversário com
tema das bruxas e abóboras de caras feias, imaginou? Pois é, foi dez vezes
pior, eu tentei de todo jeito persuadi-la a acabar com essa terrível ideia,
levei até para o lado emocional da coisa dizendo que poderia até ter um ataque
cardíaco mas ela ligou? Não, já estava decidida e ainda fui ameaçada de que caso
não comparecesse na data marcada jogaria todos os meus livros e coleções de funko pop fora. E claro conhecendo bem
como a conheço, eu não duvidaria de tal epifania, então concordei, apenas por
causa dos meus preciosos objetos, de ir.
Mas agora olhando estupefata para o pó
quebrado e prevendo sete anos de azar que eu teria, eu só queria me vingar da
tamanha traição. Ignorando todas as batidas furiosas do meu coração continuei a
me arrumar quando o meu celular tocou, não precisei olhar o visor para saber
quem era.
- Está atrasada, a festa já
começou. - Falou assim que atendi.
- Oi querida amiga, sim eu
estou bem, ainda não sofri uma parada cardiorrespiratória, obrigada por
perguntar. – Ironizei.
- Pare de drama Lara, espero
que já esteja pronta, quero você aqui dentro de cinco minutos. – Katy suspirou
do outro lado da linha.
- Sabe o que é... Eu acabei
de quebrar um espelho – comentei chorosa – e você sabe o que acontece quando se
quebra um. Além do mais eu te falei do sonho, ou melhor da premonição que tive,
quer mesma que aconteça comigo? – Perguntei. Na noite passada eu havia sonhado
com o aniversário sendo invadido por bandidos, eu sendo sequestrada e levando
um tiro. Se isso não era um sinal do senhor, não sei o que estou fazendo da
minha vida, então.
- Não venha com desculpas,
quantas vezes já lhe disse que essas suas crendices não passam de histórias
tolas? – Perguntou brava.
- Nem se eu estivesse bêbada
eu cancelaria, imagine em sã consciência. – Afirmou.
- Então acorde amanhã
sabendo que estará no meu enterro, sua ingrata.
- Meu Deus! Quando irá
crescer garota? Você tem que parar de acreditar em tudo que vê na internet,
ainda mais nessas coisas ridículas que sonha. Onde já se viu, eu moro num condomínio, não teriam como entrar. –
Revidou.
- Não importa, você não tem
como saber. E se renderem o porteiro? E se colocam uma arma em um dos
convidados para dizerem que estão com eles? Tem todas essas possibilidades. –
Eu falei me arrepiando só em pensar.
- Lara, Lara, um dia você
vai me deixar maluca. Nada vai acontecer, ok? Te prometo, meus pais reforçaram
a segurança para imprevistos como esses. Não se preocupe. – Kate tentou me
acalmar como sempre fazia.
- Mas e se voc...- Tentei
mais uma vez, porém me interrompeu.
- Mas nada, trate de vim
agora mesmo, se não irei ai fazer o que te ameacei. Rasgar todos os seus livros
em picadinhos e jogá-los fora. – Dizendo essa última frase desligou na minha
cara.
Soltei um grito frustrado e
bati os pés no chão como uma criança de cinco anos. Como minha doce amiga tinha
pedido tão delicadamente para eu comparecer a festa, terminei minha maquiagem e
vesti minha fantasia saindo em seguida.
Chegando lá, me vi dentro
dos meus piores pesadelos. Eu estava parada em frente à casa, imaginando como
estaria lá dentro, já morria de medo de tudo que estava ali. O jardim da frente
estava decorado com enormes abóboras entalhadas com caras medonhas e luzes em
seu interior deixando-as ainda mais assombrosas. Uma névoa espessa parava por
toda o local, circundando os enormes bonecos de zumbi, bruxas e fantasmas
colocados em pontos estratégicos. Na porta de entrada uma placa com os dizeres
“Bem-Vindo” estava pintado com um vermelho profundo, que escorria como se fosse
sangue. Tomando coragem pisei (com o pé direito, para dar sorte, que fique
claro) na calçada e caminhei em direção a entrada. Katy estava logo ali,
fazendo sala para os convidados e agradecendo pela presença. Ela estava linda
vestida de diabinha, com chifres na cabeça e um rabinho com um tridente na
ponta. De repente olhou para mim e uma expressão totalmente surpresa formou em
seu rosto, lancei meu melhor sorriso. Com o mesmo semblante começou a se
aproximar a passos rápidos.
- Que roupa é essa? –
Perguntou embasbacada.
Olhei na direção da minha vestimenta
e não vi o motivo de toda aquele alarde. Eu estava vestida com um hábito
religioso branco por baixo de uma preta, um colar com uma enorme cruz de
madeira estacionado em meu pescoço, pulseiras com pingentes de pimenta, olho
grego, trevo de quatro folhas e ferradura rodavam meu pulso e na minha cabeça circundava
um capuz de mesma cor da roupa. Eu parecia uma das mais lindas freiras que já
existiu.
- Não reconhece uma freira
quando vê uma? – Respondi me divertindo com o seu espanto.
- Eu não deveria ter deixado
você escolher sozinha, eu deveria ter confiado em meus instintos quando
disseram que existiam alguma coisa errada para a senhorita não ter pedido minha
ajuda. Que vexame. Só faltou o alho.
- E quem te disse que eu não
trouxe? – Puxei da minha bolsa uma cordinha de alhos que eu guardara ali dentro
antes de sair de casa.
- Meu Deus do céu, eu não
acredito nisso. - Resmungou baixinho.
- Não fica brava, sorria
hoje é seu dia - Dei uma piscadinha, adentrado a casa.
Todo o lugar estava de dar
medo, as fantasias eram assustadoras, faltando apenas aparecer Fred e Jason na
minha frente. Fiquei algum tempo rodando pelos cômodos até que decidir retocar
minha maquiagem no banheiro. Me dirigi
ao determinado local, porém ao chegar perto da porta, eu parei. Uma escada com
diversas caveiras e velas estava disposta bem na sua frente, tendo que passar
por baixo daquele terrível objeto de madeira para adentrar o toilette.
Eu sei que toda pessoa tem
um conjunto de regras para não se dar mal na vida, e a minha primeira era: Nunca passe na frente de gatos pretos ou
embaixo de escadas. O que claramente eu não faria naquela situação (ainda
tenho um pouco de juízo se quer saber). A Katy só podia estar em um dos seus
surtos psicóticos para colocar aquele troço
ali na frente. Sabendo que eu não colocaria nem o dedo do pé no banheiro fui em
direção a cozinha procurar algo para comer, contudo, o que os meus olhos focaram
assim que entrei, foi em um enorme pote de sal em cima da mesa. Você deve estar
se perguntando, mas o que isso tem haver? Meu querido, sal significa azar e a
minha cota de mal presságios já está esgotada. Para não ocorrer nenhum acidente
resolvi guarda-lo logo, porém acabei fazendo o que mais temia, derrubei-o no
chão e como dizem as grandes superstições da minha vida, se algo assim
acontecer você precisa jogar um punhado de sal sobre o ombro esquerdo e foi
exatamente que eu fiz, não imaginando que existia alguém atrás de mim.
- Ai! Meus olhos! – Me virei
encontrado com minha amiga, que esfregava seus globos oculares com toda a
força.
- Por Cristo! Eu não tive a
intenção de te machucar, Katy. – Tentei me desculpar.
- Então que merda você pensa
que está fazendo jogando sal por todo lado? Cozinhar é que não foi, não sabe
nem fritar um ovo. – Reclamou.
- Eu derrubei o vaso de sal,
você sabe o que se faz... – Comecei a falar mas foi interrompida.
- Quando algo assim
acontece. – Completou. – Na boa isso já virou paranoia.
- Não é paranoia...
- É superstição. –
Complementou novamente.
- Eu não sou tão previsível
assim. – Falei cruzando os braços, indignada.
- Se tratando das suas crendices é sim, Lara. Agora
me ajude a arrumar essa bagunça que você provocou.
Logo depois de Katy e eu
limparmos a cozinha, a mesma me arrastou de volta para a festa, tentando de
todo o jeito me fazer esquecer os meus desatinos como ela mesma se referiu, já
que ninguém pode ficar focado nisso o tempo tudo e acabar passando mais mico e
enraivecendo a melhor amiga no dia do seu aniversário, palavras dela, não minhas.
Eram quase 04:00 da manhã e restava
apenas poucas pessoas, eu e Katy estávamos jogadas no chão de sua enorme casa conversando
sobre besteiras quando escutamos alguns barulhos e algumas vozes não muito
distantes, que pareciam ser até de dentro da residência. De repente pessoas
surgiram, dizendo:
- Todo mundo calado e quietinho, ninguém se
mexe.
Ficamos assustadas e com
muito medo, sem saber o que fazer (aliás Katy tinha me garantido que a
segurança estava reforçada e que não aconteceria nada demais), procuramos
nossos celulares em todo canto e não achamos, olhamos uma para a outra, sem
nenhuma noção do que fazer, tentamos se esconder mais só piorou as coisas, ao
levantar nossos olhos vimos dois homens em nossa frente encapuzados, vestidos
de preto e cada um com uma metralhadora em suas mãos, ficamos pasmas e paralisadas.
- Quero as duas princesinhas
bem quietas. – Repetiu o mais próximo de nós.
- Se revidarem será pior. -
Falou o outro.
Nessa hora não sabíamos mais
o que fazer, só soubemos chorar e torcer que algum Deus viesse em nosso socorro.
Em uma situação daquela nenhuma de minhas crendices ajudaria (não adiantou nada
trazer os alhos, as pimentas e a cruz para espantar as coisas ruins). Passamos
mais de uma hora, ali parada no chão, sem se quer poder se mover, tenho a
certeza que Katy lembrou do meu sonho e do que eu avisei a ela, e de como
sempre, nunca me ouviu. Sem saber como, aqueles marginais conseguiram o número
de telefone dos pais da Katy, telefonaram e avisaram que tinham feitos todos
reféns (pelo menos os que restaram no local), inclusive a sua própria filha.
Após se passar mais meia
hora ouvimos o barulho da sirene da polícia. Ao escutar aquele barulho, um
alívio passou pelo meu corpo, porém logo se dissipou e o pânico e o medo retornaram,
pois um dos marginais pegou Katy, saiu para fora da casa fazendo ela de refém e
colocando uma pistola em sua cabeça, o desespero tomou conta de mim, mas nada
me restava há não ser torcer para que tudo acabasse bem. Não vi muito muita
coisa, mas pelo que percebi mesmo de dentro do casa, os policiais tentavam
fazer uma negociação com os bandidos. Contudo, como tinha previsto em meu
sonho, aconteceria muita coisa ruim, e realmente aconteceu. Escutei um barulho
terrível, o de uma bala chicoteando o ar, me levantei devagar e ao chegar na
porta da casa, vi uma poça de sangue (e dessa vez não era de mentira, pensei logo
no pior, cogitando ser o sangue de Katy). Ao levantar meus olhos, avistei ela abraçada
aos seus pais chorando muito e o bandido morto no chão.
Katy não conseguiu entender muito
bem o que aconteceu, mas eu entendi, foi o meu sonho que tinha se cumprido.
Após isso tudo acontecer, todos só queriam ir para casa e a polícia isolou o
local. Os pais de Katy, gentilmente, chamaram um táxi para mim. Ao chegar em
meu apartamento, não tive nem forças de tomar um banho sequer, cai na cama
morta de cansada e ainda assustada acabei pegando no sono, passando o final de
semana todo de ressaca e tentando entender a burrice que tinha cometido ao
deixar que minha amiga me convencesse a ir à festa dela bem em uma sexta-feira
treze.
No dia seguinte, acordei
ainda um pouco desestabilizada por conta de toda a situação que tinha
acontecido na festa de Katy, levantei da cama meio indisposta, tomei um banho
gelado e vesti a minha roupa, peguei minha mochila e as chaves do carro e saí
apressada, liguei o carro e respirei fundo naquele momento eu estava mais
preocupada com Katy do que comigo mesma, segui para a faculdade, chegando lá
desci do carro e acelerei o passo até por que eu sabia que a aula já tinha
começado.
- Atrasada, como sempre. -
Falou o professor George balançando a cabeça negativamente. Sentei-me na
cadeira da frente e suspirei impaciente, em um minuto percebi que Katy não
estava na sala, naquele momento eu só pensava onde ela poderia estar, assim que
bateu o sinal para o intervalo, saí para a área de refeição esperando encontrar
Katy e logo avistei ela sentada numa mesa com Mylie, fiquei meio surpresa por
que não sabia que elas eram amigas.
-Mylie... não sabia que você
estudava aqui. - Disse tentando esconder meu nervosismo repentino.
-Que bom te ver aqui, na
verdade é o meu primeiro dia - disse simpaticamente com o um sorrisinho de
canto e Katy me olhando com os olhos semicerrados.
-Será que posso conversar
com você? - perguntei a Katy, e ela me disse que sim sem demonstrar muito
interesse.
- Pode ser. - Ela se levantou pegou a mochila
e deu tchau para Mylie, que logo depois também saiu de lá.
Estávamos andando pelos corredores quando eu disse:
Estávamos andando pelos corredores quando eu disse:
-Você está melhor depois de ontem? Fiquei
preocupada com não te vi na aula hoje, onde estav..- ela me interrompeu.
-Pode parar com esse
interrogatório, só estava andando por ai com Mylie, ela é uma pessoa muito
legal por sinal.
Senti uma energia diferente nela, como se nada tivesse acontecido na sexta.
-Eu sabia que algo ia
acontecer, tentei te alertar mas você não acreditou em mim. - Olhei para ela
esperando pelo menos desculpas.
-Vai me dizer que você prevê
o futuro agora? - Ela disse ainda duvidando de mim. Respirei fundo, triste e
com raiva ao mesmo tempo por ela nunca acreditar, para ela não existe superstições.
-Não quero mais ouvir essas
besteiras de você, por favor. - Comentou querendo terminar logo aquela
conversa.
-Tudo bem, já vi que é inútil
falar disso com você. Peguei minha mochila e saí andando, entrei no carro já
sentindo que a nossa amizade não estava dando certo, tenho certeza que essa
amizade com Mylie estava mudando ela cada vez mais comigo.
Cheguei em casa e me joguei na sofá, assistir alguns filmes de aventura até pegar no sono.
Se passou uma semana e não recebi nenhuma ligação ou mensagem de Katy. Escutei alguém bater na porta, levantei rapidamente e fui atender, era Katy, assim que eu abri a porta ela disse:
-Vim te ver, acho que já faz um tempo que a gente não se fala na faculdade. Ela entrou e se sentou no sofá e eu fiz o mesmo, estava feliz por ver que ela me procurou, ali eu percebi que ela ainda queria continuar a nossa amizade.
-Eu queria pedir desculpas por tudo que te disse nos últimos dias, por não ter sido tão compreensiva com os seus medos.
-Eu te desculpo sim, esses dias sem a sua companhia foram muito entediantes. - Disse sorrindo. Ela me abraçou, um abraço tão verdadeiro como se dissesse eu nunca vou te deixar, depois desse dia a gente nunca mais brigou por coisas bobas, tudo continuou como sempre foi desde a nossa infância, inseparáveis.
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